
Ficção e realidade se mesclam nessa primorosa obra de Haroldo Maranhão que recria os últimos dias de vida de Machado de Assis. O trabalho de Maranhão é maravilhoso, principalmente quando estabelece relações de intertextualidade com as principais obras do autor. Em um trabalho raro de pesquisa, somos convidados a acompanhar a agonia final de Machado, que recebe momentos antes de sua morte, a visita de seus principais personagens. A seguir, uma resenha que explica de maneira mais detalhada a obra:
Os últimos dias do maior escritor brasileiro de todos os tempos, Machado de Assis, são a matéria-prima deste notável romance Memorial do fim: a morte de Machado de Assis, de Haroldo Maranhão, autor fundamental para a ficção contemporânea. O escritor ambicionou honrar a narrativa machadiana e tratou o tema de uma forma obsessiva, que acabou se refletindo ao longo do capítulo "A Morte de Machado de Assis". Na obra o tempo é sentido pelo moribundo como algo fatalista, conscientizando o personagem da sua finitude implacável.
Para o escritor, o romance em questão correspondeu como se fosse uma espécie de alter-ego, pois a obra machadiana sempre foi seu espelho desde a sua adolescência. Várias marcas registradas do estilo de Machado estão presentes em Memorial do fim, como por exemplo a ironia (capítulo 21, por exemplo); as digressões (a careca do barão, por exemplo); as conversas com o leitor (p. 57, por exemplo); o diálogo com a história (capítulo 24, por exemplo), entre outras.
A característica apresentada pela obra, que a enquadra em uma das tendências do romance brasileiro contemporâneo, é a releitura da tradição literária com a livre representação da vida cultural brasileira, percebida nas intertextualidades, nas paródias e nas pastiches presentes no decorrer do enredo.
Os capítulos foram estruturados utilizando-se de capítulos e excertos dos principais romances de Machado de Assis, como: Dom Casmurro, Quincas Borba, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Memorial de Ayres, entre outros.
Em Memorial do fim, em que pese a multiplicidade de vozes narrativas, existe uma voz que se sobrepõe às outras, a de um narrador-autor que se apresenta como uma “consciência organizadora da narrativa” (que faz comentários, dirige-se ao leitor, dispõe a ordem dos capítulos, cogita sobre inclusões e subtrações de passagens...) e que pode ser visto como o responsável pela seleção e reunião (com seus cortes e montagens) de diversos fragmentos. Esses fragmentos atenderiam a sua vontade de escrever um romance (portanto, ficção) sobre oescritor Machado de Assis, do qual participariam diversos referentes históricos e biográficos do universo machadiano.
Publicado pela primeira vez em 1991, o livro é muito mais do que uma recriação histórica de uma vida e uma época. Movido por "um amor que remonta à adolescência", o escritor paraense mergulhou no universo machadiano de forma a assimilar, na própria escrita. O resultado mistura a tal ponto ficção e História que se torna impossível saber onde termina uma e começa outra: o narrador é, ao mesmo tempo, o próprio autor de Dom Casmurro e o Conselheiro que protagoniza o Memorial de Aires, último romance publicado por Machado. Haroldo Maranhão faz deste jogo de referências uma saborosa e densa reflexão sobre a morte, a escrita e as paixões, devidamente temperada pela célebre combinação machadiana da "pena da galhofa" com a "tinta da melancolia".
O romance não acompanha apenas as circunstâncias que cercam a morte do escritor. Enredada a elas, tem-se uma intriga amorosa na forma de mistério. Teria Machado de Assis, após a morte da mulher Carolina, nutrido amores por uma jovem leitora?
A narrativa sugere que sim. E mais: o viúvo teria pensado em casar-se com a moça, ainda que "in extremis", a fim de que ela fosse beneficiada pela renda de um montepio. Haroldo Maranhão baseou sua hipótese numa carta de uma certa Hylda. Segundo ele, a epístola faz parte do arquivo da Academia Brasileira.
Mas o autor mistura as peças do tabuleiro. Hylda é identificada com Leonora (paixão do poeta Torquato Tasso) e também com Marcela Valongo, que surge no início do romance e também pode ser Virgínia, de Memórias Póstumas de Brás Cubas.
O próprio Machado ora aparece como ele mesmo, ora como o Conselheiro Ayres, protagonista de seu último romance. Personagens da ficção do bruxo do Cosme Velho unem-se a criações de Maranhão e personalidades da história brasileira, o crítico José Veríssimo e o médico Miguel Couto.
O romance passeia por essas vias de mão dupla: caracteres históricos X figuras ficcionais, simulacro X realidade, personagens e situações que se multiplicam. Por trás, reside um grande nó relativo ao status do moribundo.
Fonte:http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/m/memorial_do_fim_a_morte_de_machado_de_assis
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