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Mostrando postagens de 2010

Registros de Bossa Nova

A sensação que tive ao assistir o documentário de Paulo Thiago é a de estar assistindo uma grande palestra sobre a formação estética e lírica da Bossa Nova. Somos convidados a realizar um passeio cronólogico e espacial do movimento tendo como professores ilustres, dois nomes fundamentais do movimento: Carlos Lyra e Roberto Menescal. Os bastidores do movimento, a evolução da harmonia e a importância de Ronaldo Boscoli, Johnny Alf, de Newton Mendonça e principalmente e a de João Gilberto são evidentes ao longo dos depoimentos e recuperam nomes que estão distantes da mídia. O único vivo (João Gilberto) se recusou a participar do documentário, mas mesmo assim, os depoimentos de músicos revelam sua força e influência. Em vários momentos, clipes são apresentados com participações de João Donato, Leny Andrade, Wanda Sá e imagens de arquivo especiais como a de Sylvinha Telles e Tom Jobim. O documentário revela a imagem de um Brasil em processo de inserção na modernidade e sua primeira tentativ

Leitura: 32 Dentes

Texto escrito por Ana Paula Maia A mesma inquietação sufocante no ar pesado da noite permanecia suspensa sobre minha cabeça, agora estendida em uma cama, outrora esborrachada sobre a calçada. O sangue coagulado entranhou nos dentes. As narinas doíam e sangravam com o atrito do ar. O oxigênio deslizava ressecado pela garganta dolorida e feria meus pulmões. Estava sonhando que recitava Ilíada diante de um espelho e meus dentes caíam todas as vezes em que esquecia um trecho. O mais estranho é que nunca li a Ilíada. Fiquei banguela. "Canta-me a cólera — ó deusa — funesta de Aquiles Pelida..." Foram minhas primeiras palavras ao despertar nauseado. Fiquei lá deitado repetindo: Canta-me a cólera Canta-me a cólera Canta-me a cólera. Senti meus molares cariados, pontiagudos, cravados no osso. Enquanto deslizava a língua por toda a dimensão da boca, esbarrando em aftas e dois recentes vãos, abertos a socos e pontapés, lembrava-me que já era um homem. Sim, um homem que possuía uma arca

Leituras Programadas

1- Se eu fechar os olhos agora de Edney Silvestre. Record 2- Mar Morto de Jorge Amado. Companhia das Letras 3- A guerra dos bastados de Ana Paula Maia. Língua Geral 4- O habitante das falhas subterrâneas de Ana P. Maia. 7 letras 5- Em alguma parte alguma de Ferreira Gullar. José Olympio 6- A obscena senhora D de Hilda Hilst. Global

Música da Semana: Face a Face

Gravada em 1976 pela cantora Simone, a canção de Sueli Costa e Cacaso é maravilhosa. Extremamente sensual e com uma carga erótica fortíssima fez um grande sucesso em sua época projetando o nome da cantora baiana. Em seu último dvd "Em boa companhia", Simone revisita a canção inesquecível. É a música que inicia a minha jornada nesse domingo de natal. São as trapaças da sorte, são as graças da paixão Pra se combinar comigo tem que ter opinião São as desgraças da sorte, são as traças da paixão Quem quiser casar comigo tem que ter bom coração Morena quando repenso o nosso sonho fagueiro O céu estava tão denso, o inverno tão passageiro Uma certeza me nasce, e abole todo o meu zelo Quando me vi face a face fitava o meu pesadelo Estava cego o apelo, estava solto o impasse Sofrendo nosso desvelo, perdendo no desenlace No rolo feito um novelo, até o fim do degelo Até que a morte me abrace São as desgraças da sorte, são as traças da paixão Quem quiser casar comigo tem que ter bom coraç

Maravilhosas Narrativas de um grande artista brasileiro

Com muita surpresa e graça, a prosa de Chico Anysio segue todas as características do humor do comediante. Uma prosa ágil que se aproxima muito do coloquial e com um senso de observação peculiar do cotidiano, Chico apresenta narrativas diversas que abordam temáticas variadas: do trágico ao cômico sem deixar de lado seu humor inteligente. Os textos "Alambique"; "A mulher do dentista" e "A vaca na estrada" chegam a lembrar piadas que estão no imaginário da população. Por isso é tão fácil ser conduzido e se encantar com as narrativas "mágicas" de Chico Anysio. Ótima leitura para o feriado. ****

O lírismo de Ferreira Gullar

Um dos nomes mais importantes da cultura brasileira completa esse ano 80 anos de vida. Ferreira Gullar é atualmente o nome mais representativo da poesia produzida no Brasil. Inteligência e sensibilidade são marcas registradas de sua atuação no cenário artístico nacional. Tenho tido a oportunidade de assistir várias entrevistas do poeta e cada vez que passa admiro ainda mais sua lucidez e capacidade de olhar para a realidade de uma forma objetiva, prática e lírica. Em sua homenagem, anexo abaixo alguns textos para a leitura nesse domingo. Os Mortos os mortos vêem o mundo pelos olhos dos vivos eventualmente ouvem, com nossos ouvidos, certas sinfonias algum bater de portas, ventanias Ausentes de corpo e alma misturam o seu ao nosso riso se de fato quando vivos acharam a mesma graça MAU DESPERTAR Saio do sono como de uma batalha travada em lugar algum Não sei na madrugada se estou ferido se o corpo tenho riscado de hematomas Zonzo lavo na pia os olhos donde ainda escorre uns restos de trev

Amor, Festa, Decepção

A expectativa era grande por vários motivos. Primeiro, qualquer dvd de Maria Bethãnia é um grande acontecimento. Shows temáticos, roteiro preciso e forte marcação cênica. Geralmente os dvds da cantora conseguem captar pelo menos uma parte da magia e da sedução da cantora baiana. Mas seu novo dvd dirigido por André Horta (o mesmo diretor do dvd Maricotinha e Brasileirinho) decepciona e muito. A culpa não é da cantora. O show é muito bonito, mas a gravação deixou de lado aquilo que mais desperta atenção e beleza no canto dramático de Bethânia: sua interpretação e a teatralidade dos gestos apresentados. Tomadas amplas (as vezes nem vemos o rosto da cantora), cenas desencontradas (canta uma coisa aparece outra). Não valorizar a interpretação de canções como "Você Perdeu"; "Estrela"; "Balada de Gisberta" (alguns vídeos do youtube são melhores) através das imagens é um erro imperdoável da direção do dvd. Apesar desses problemas, os extras explicam pelo viés mu

PRECIOSIDADE

15 canções maravilhosas de Chico Buarque juntas com a virtuosidade do violão de Arthur Nestrovski resultam em um momento maravilhoso dentro da música popular brasileira. Na solidão do estúdio, Artur faz uma reeleitura particular da obra de Buarque. Nessa nova abordagem percebemos uma economia nos arranjos das canções, proporcionando mais beleza e nuances que as melodias são capazes de indicar. Depois de um trabalho belíssimo com as canções de Tom Jobim, Artur presenteia a todos que admiram a obra de Chico Buarque e a aqueles que adoram música instrumental. Nota 10. ***** A seguir nota de Mauro Ferreira: "Após revisitar o repertório de Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994) no CD Jobim Violão, Arthur Nestrovski se volta para o cancioneiro de Chico Buarque em Chico Violão, disco editado pela gravadora Biscoito Fino neste mês de abril de 2010. As 15 músicas foram formatadas em arranjos para violão solo. Com obras-primas como Tatuagem (1973), Beatriz (1983) e Futuros Amantes (1993), a sel

Singelas Histórias do Brasil

O filme do cineasta mineiro Helvécio Ratton é uma surpresa agradável. Partindo de narrativas folclóricas, o diretor proporciona uma viagem leve dentro de um Brasil desconhecido, principalmente para os moradores dos grandes centros urbanos. Com direção precisa e simples, Ratton mostra que é um ótimo contador de histórias, recuperando a magia que existe no interior do país. Ótimo programa para assistir com a família. A seguir um comentário sobre o filme.*** O filme é composto de quatro narrativas curtas, costuradas por uma narradora, vivida por Marieta Severo. O longa surgiu a partir de um curta -- que é o primeiro segmento de "Pequenas histórias" -- quando o diretor participou de um projeto de uma TV educativa. Esse curta tinha apenas 12 minutos, mas o diretor acreditava que o material renderia mais. Por isso, resolveu produzir outros segmentos e fazer um longa de episódios. "E a água levou" traz Patrícia Pillar no papel de uma sereia que começa a ajudar um pescador,

Música da Semana: The World We Knew

Over and over I keep going over the world we knew Once when you walked beside me That inconceivable, that unbelievable world we knew When we two were in love And every bright neon sign turned into stars And the sun and the moon seemed to be ours Each road that we took turned into gold But the dream was too much For you to hold Now over and over I keep going over the world we knew Days when you used to love me And every bright neon sign turned into stars And the sun and the moon seemed to be ours Each road that we took, it turned into gold But the dream was too much for you to hold Now over and over I keep going over the world we knew Days when you used to love me Over and over I keep going over The world we knew Tradução: Mais e mais eu continue o mundo sabíamos Assim, quando você andou ao meu lado Isso inconcebível, inacreditável mundo que sabíamos Quando nós dois estavam apaixonados E cada letreiro em néon brilhante virou estrela E o Sol e a Lua parecia ser nossa Cada estrada que tom

MY Way de Cauby e Sinatra

Cauby Peixoto aos 80 anos realiza seu grande sonho. Um show em que canta exclusivamente seu maior ídolo: Frank Sinatra. E temos a oportunidade sermos presenteados com a gravação do cd e dvd desse show. Em 55 minutos, Cauby (sem exageros e firulas) encanta os ouvintes apresentado uma ótima seleção de canções de Sinatra. O tempo fez com que Cauby passasse a valorizar cada vez mais sua voz e usá-la na busca por uma emissão precisa e clara. Por isso o dvd é imperdível, não só para quem é fã de Cauby e Sinatra, mas para aqueles que gostam de uma boa sonoridade musical. Um momento irrepreensivel é a gravação que Cauby apresenta de "The World we Knew". Uma das canções mais dificéis de Sinatra que coube na medida na voz de Cauby. Parabenizo a gravadora Lua Music e em especial a Thiago Marques Luiz pelo precioso trabalho oferecido a todos que gostam de uma boa música popular brasileira pelos discos recentes realizados sobre a alçada de Cauby (canta Roberto Carlos), que há muito tempo,

Fernanda Young

O livro de Fernanda Young apresenta um enredo interessante e que prende a atenção do leitor. Uma mulher descobre a traição do namorado e como vingança o amarra em uma cama e resolver "cortar o mal pela raiz". Mas antes disso, explica passo a passo os motivos de tal ação. A prosa de Young é conhecida pela objetividade e um humor que beira ao sarcasmo. Em vários momentos, a autora brinda o leitor com imagens interessantes. Mas no decorrer da leitura, a trama estaciona perdendo sua força inicial. O final chega a ser primário diante de todas as outras situações narrativas. ** Trecho: "Toda mulher quer se vingar dos homens. e você não ´exceção. Pois nem há necessidade de existir um motivo específico em seu passado; a vingança será justa pelo simples fato de eles serem homens e você mulher. São milhares de anos de razões acumuladas, séculos e séculos de repressão sob a ditadura do falo. Algumas mulheres surtam, não aguentando mais".

A Poesia de Jorge Amado

A minha lista de leitura para o final do ano começa com chave de ouro: Mar Morto de Jorge Amado. Há muitos anos realizei a leitura de alguns trechos dessa obra e lembro do encanto que tive ao ser conduzido por uma narrativa lírica e emocional que tem como pano de fundo o cotidiano dos pescadores baianos, envolvidos em suas paixões amorosas e religiosas. Em breve, realizarei mais alguns comentários sobre essa maravilhosa aventura humana.

Diversão Garantida

Depois de um dia tumultuado de trabalho, chego em casa e tenho a oportunidade de assistir um dos melhores programas de humor que já existiu na televisão brasileira. O cana Viva exibe diariamente os melhores momentos da famosa escola de Chico Anysio. Tipos inesquecíveis são relembrados garantido uma diversão sem qualquer tipo de preconceitos. Infelizmente, a falta que Chico Anysio e seus companheiros fazem para a televisão brasileira é irrepreensivel. Imperdível. ******

Música da Semana: Me Faz Bem

Milton Nascimento em seu novo disco canta pela primeira vez Me faz Bem . A Gravação de Gal Costa é muito bonita e forte. Milton consegue vestir a canção com outra roupagem, perdendo em dramaticidade, mas ganhando força na serenidade do canto doloroso do sentimento amoroso. Me Faz Bem Esse jeito de se enroscar, De chegar mansinho e se aninhar, de me fazer seu par Me faz bem Esse jeito bom de gostar, Viajar veredas que são mistério maior que o fundo do mar Me faz bem, Arrepio de imaginar, Me perder no lume do teu olhar, Respirar, tocar , o teu corpo solto no cio Me faz bem Ser o velho lobo do mar Que não cansa de navegar Pois muito tesouro existe por lá Me faz bem teu jeito de amar Tens mais mistérios do que o mar Me faz bem Ser o velho lobo do mar Que não cansa de navegar Pois muito tesouro existe por lá Me faz bem teu jeito de amar Tens mais mistérios do que o mar

A Estrela Mineira de Milton

O novo disco de Milton Nascimento procura resgatar suas raízes interioranas, que aliais, sempre esteve presente em sua belíssima carreira. Com um projeto grafíco belíssimo, Milton traça um panorama renovado da mpb, mesmo ao regravar outros compositores. A novidade fica por conta das letras inéditas que o cantor interpreta de compositores de sua cidade natal: Três Pontas. Outra novidade é a presença dos artistas da cidade no coro de 7 canções. Esse coro realiza um belíssimo contraste com a voz de Milton, embelezando as canções e renovando-as, como por exemplo, a gravação de Resposta de Tempo . A canção imortalizada por Nana Caymmi é extremante dificil e os poucos cantores que ousaram cantá-la perderam o fio da meada. Milton arrisca e apresenta de maneira suave os belíssimos trechos da canção. Destaque para as gravações de Estrela, Estrela (parece uma prece); O ateneu (a melhor canção do disco inspirada na obra de Raul Pompeia); Adivinha o quê? (suingue surpreendente); e a balada pop

Soberba

Chega em minhas mãos o novo disco a vivo de Maria Bethânia e as impressões iniciais são impressionantes. Sem dúvida nenhuma é o disco ao vivo mais bem gravado da cantora. Som límpido, tocante e até no silêncio ouvimos o que não é tão usual assim. Só consigo emitir uma opinião mais crítica depois de ouvir várias vezes um disco. O show de Bethânia não é um dos meus preferidos, mas a sensação que temos ao ouvir o disco é de uma intimidade, como se a cantora estivesse cantando pessoalmente para você. Acredito que em matéria de mixagem, som, é o disco ao vivo mais bem gravado da música popular brasileira. ******

Música da Semana: Vila do Adeus

Melodia de Roberto Mendes e letra de Jorge Portugal, Vila do Adeus é a música da semana. A cada domingo postarei uma canção simbolizando a chegada da semana. A escolha acontece de acordo com meu estado de espírito e emoções recolhidas durante toda a semana. Histórias que não contam mais Quando o barco perde a praia Quando tudo diz adeus O céu desmaia, a luz do dia não raia Pois se apaga a luz do céu A dor se espraia feito pé de samambaia E antes que a noite caia Apaga a lua E a saudade então flutua Como bólido luzente Dentro dela a gente vai Histórias que não voltam mais Quando os lenços cortam os laços Num definitivo adeus Nenhum abraço, nenhum sol nos olhos baços Nem um traço, nem um véu Apenas o silêncio e o som de Deus Apenas o silêncio...

Caras e Bocas do maravilhoso canto de Gal Costa

Gal Costa completa 65 anos de carreira e os fãs da cantora ganham um maravilhoso presente. A gravadora Universal Music coloca no mercado uma caixa com 16 trabalhos lançados pela artística em sua passagem pela gravadora. Desde o primeiro disco lançado em 1967 ao último em 1983, temos a oportunidade de reconhecer a diversidade da artista e seu amadurecimento vocal em muitas situações. Além dos 16 cds, a caixa traz um folheto explicando a concepção de cada disco com explicações pontuais de Gal e um CD duplo com gravações especiais da cantora recolhidas no acervo da gravadora. Minha primeira impressão é a melhor possível. Não apenas o canto de Gal Costa é fundamental para a música popular brasileira mas também as diversas imagens de comportamento apresentados em sua carreira. Da musa tropicalista ao canto introspectivo da bossa nova, do pop televisivo ao experimentalismo, Gal influenciou toda uma geração. Escrevo esse comentário ouvindo o cd Índia lançado em 1973. Último tiro da baiana na

Nostalgia

Não sei se foi surpresa ao me deparar com a imensa nostalgia que Arnaldo Jabor apresenta em seu mais recente filme. A veia irônica, sarcástica e polêmica do diretor de clássicos como as adaptações das obras de Nelson Rodrigues, volta ao passado, de uma maneira particular, para relembrar o tempo de um Brasil que não existe mais e dificilmente voltará a ser o que era. Aspectos positivos do filme: a trilha sonora é tocante e traz de volta toda a efervescência dos anos 50; a atuação de Marco Nanini é sensacional; a fotografia de Lauro Escorel apresenta cores que dão suporte emocional as imagens do filme, a presença concisa de Tammy Canflagori (linda demais da conta) Aspectos negativos: o filme é longo demais; algumas sequências sejam a ser exageradas e anti cinematográficas (morte da prostituta; loucura da personagem de Maria Flor), mas tudo bem, estamos diante de um filme que pretende ser uma espécie de recusa a tudo aquilo que estamos acostumados a ver no cinema: tiros, bombas, sexo, vio

Um País em Construção

O livro de Eduardo Bueno é uma oportunidade imperdível de conhecer os vários lados, discursos e imagens da história política, econômica e social do nosso país. Com imagens belíssimas, linguagem simples e direta, Bueno nos conduz pelos bastidores da formação da sociedade nacional sem defender o lado de ninguém. Mitos são questionados, estatísticas são debatidas, sempre na intenção de proporcionar ao leitor a visão de que o discurso histórico também é portador de uma determinada verdade. Um modo inteligentíssimo de entender um pouco o nosso país. Necessário. ******

A Volta de Djavan

Começo meu domingo ouvindo o novo disco de Djavan. As gravações de Oração ao Tempo; Luz e Mistério e Valsa Brasileira já valem o preço do disco. Não gostei da gravação de Palco de Gilberto Gil. Sem qualquer outro tipo de novidade, os arranjos são econômicos e procuram valorizar cada vez mais a bonita voz do cantor. ***

O Rei da Crítica

Com muita ironia e polêmica, a peça de Oswald de Andrade é um dos momentos raros na dramaturgia brasileira. Em suas entrelinhas, percebemos a reconstrução do esquema econômico no qual o Brasil está inserido da maneira mais clara possível. A análogia com a história clássica de Abelardo e Helóisa e o debate entre as diferenças ou não entre os discursos capitalistas e socialistas são debatidos na peça, deixando ao espectador a sensação de que apesar de todas as ideologias ou discursos, quando os mesmos alcançam o poder institucionalizado, acabam sendo "farinha do mesmo saco". A obra de Andrade é genial. Obrigatório. *****

Existe um Céu

Um dos momentos mais bonitos do último disco de Francis Hime é a gravação da canção "Existe um céu". Música de Hime e letra de Geraldo Carneiro. Um passeio pelo mundo da delicadeza e uma compreensão e definição do sentimento amoroso belíssimo. Existe um céu onde moram as amadas Que o coração desinventou Um lugar onde vagueiam palavras de amor Restos de sol e solidão Ecos de falas amplificadas pela paixão Que na poeira do tempo, se desfez O amor é o bem maior que existe em mim O amor é o mal maior que existe O amor é o bem maior O amor é o mal e o bem Existe um céu labirinto, minha amada, E a minha sombra ali vagueia para sempre Entre os fantasmas da celebração e da dor

Roberta Sá canta Roque Ferreira

Tenho a satisfação em apresentar mais um dos momentos bonitos da nova música popular brasileira. Um encontro de duas gerações. Canto, melodia, harmonia, graça. São poucos os adjetivos para definir a beleza do novo disco de Roberta Sá dedicado a Roque Ferreira. Sabe quando as palavras são poucas para definir um momento, é essa a impressão que tenho ao ouvir as canções de Ferreira. Roberta cada vez mais trilha um caminho original em sua carreira e entra definitivamente no grupo das melhores cantoras do Brasil. Audição Impérdível. *****

Patrícia Melo

Muita violência e solidão. Esses são os dois sentimentos ou imagens que a leitura do romance de Patrícia Melo proporciona. Herdeira direta do estilo arrojado de Rubem Fonseca, a escritora prende a atenção do leitor do principio ao fim nessa intrigante narrativa. A obra é dividida em duas situações dramáticas, que a primeira vista parecem ser totalmente independentes, mas no final da obra, temos uma bela surpresa que redimensiona toda a densidade da obra. Algumas frases ditas pelos personagens proporciona ao leitor uma oportunidade de pensar alguns conceitos (não vou dizer quais de propósito) e identificá-los de uma forma realista e que nos permite entender um pouco mais as intrigantes situações limites nas quais somos obrigados a presenciar. Leia. ****

BELEZAS DO BRASIL

Extrema beleza e suavidade. O encontro de Jussara Silveira, Rita Ribeiro e Teresa Cristina é um momento de rara emoção. Gravado em 2008, o show apresenta um grande mosaico da diversidade musical do Brasil. Arranjos lindíssimos valorizando não apenas as cantoras e suas interpretações, mas enfatizando também a beleza de cada canção. Meu domingo, antes de voltar ao batente, começa com chave de ouro. Destaque para as gravações das canções Seu Zé; Dama do Cassino; Mulher nova bonita e carinhosa. Totalmente imperdivel. *****

Regular

Fiquei decepcionado ao assistir o filme de Henrique Goldman. Acompanhamos os últimos meses de vida desse jovem brasileiro que acreditava que poderia ter uma vida melhor no exterior. A intenção é muito mais mostrar o cotidiano dos imigrantes brasileiros em Londres do que necessariamente realizar uma reflexão sobre o assunto. Como passatempo compensa, apenas isso. **

Shakespeare

Uma das melhores coisas que apareceu na televisão aberta nos últimos anos foi sem dúvida nenhuma a série Som e Fúria exibida pela TV Globo no ano passado. Lançado agora em DVD com 3 discos, acompanhamos a saga dessa trupe de atores , envolvido nas montagens de William Shakespeare . Humor inteligente, humor que nos leva a reflexão ou a simplesmente passar o tempo, humor que não ofende ninguém e nos leva a pensar sobre nossa condição humana. Afinal ninguém fica impune sem conhecer as peças de Shakespeare. Meu final de semana está garantido. *****

O FEITIÇO DE ELIZETH CARDOSO

Em homenagem a Elizeth Cardoso posto a letra de Feitio de Oração de Noel Rosa. Ouça a gravação presente no disco ao vivo com Jacob do Bandolim gravado em 1968. Sensacional. Quem acha vive se perdendo Por isso agora eu vou me defendendo Da dor tão cruel desta saudade Que, por infelicidade, Meu pobre peito invade Batuque é um privilégio Ninguém aprende samba no colégio Sambar é chorar de alegria É sorrir de nostalgia Dentro da melodia Por isso agora lá na Penha Vou mandar minha morena Pra cantar com satisfação E com harmonia Esta triste melodia Que é meu samba em feito de oração O samba na realidade não vem do morro Nem lá da cidade E quem suportar uma paixão Sentirá que o samba então Nasce do coração.

Todo o Sentimento

Termino a leitura da bonita biografia de Sérgio Cabral sobre a cantora Elizeth Cardoso. É uma pena saber que ao completar 20 anos de sua morte, a enluarada Elizeth não ganhou sequer alguma menção na grande mídia sobre sua vida e obra. A biografia de Cabral é sentimental. Amigo de Elizeth reproduz os momentos marcantes de sua carreira sem tocar o dedo na ferida. Mas isso não atrapalha a leitura da biografia. Estão lá as paixões, os netos, os bastidores dos shows, as viagens pelo exterior, a preocupação com a beleza, o medo da morte e a tentativa de superar sua doença (câncer no estômago) No decorrer da leitura, resolvi escutar alguns trabalhos de Elizeth. Maravilhosos. O trabalho com Rafael Rabello, Jacob do Bandolin, as Canções do amor demais. Fui surpreendido nessas audições com uma gravação belíssima de Feitio de Oração de Noel Rosa. Não sei se já postei, mas para mim, essa canção é a mais bonita da mpb e na gravação de Gal Costa achava que era insuperável. Ledo engano. Qualquer c

O Bem Amado

O filme de Guel Arraes faz uma justa homenagem a um dos personagens mais importantes da televisão brasileira. Inserido em outro contexto histórico, o filme promove uma aproximação entre realidade e ficção que há muito tempo não via no cinema nacional. Isso é positivo, pois o público consegue ao final do filme, tecer várias imagens acerca da ambientação histórica e política da trama de Dias Gomes. Adorei a trilha sonora que tem nomes como Zé Ramalho (gravação intensa e magistral de Cárcara); Zélia Duncam em um bolerão de tirar o chapéu de beleza e dramaticidade; Caetano Veloso e Jorge Mautner e os divertidos temas instrumentais do filme. A direção de Guel Arraes prioriza a linguagem televisiva como é perceptível na longa cena do encontro das irmãs Cajuazeiras com Odorico e a intenção de cada irmã de seduzi-lo e conseguir o sonhado casamento. A cena não é tão engraçada como pretendia, mas são pequenos defeitos que se perdem durante o filme. Impérdivel mesmo é a presença da atriz Maria F

Operação Teseu

O romance de Luís Fernando Veríssimo apresenta todas as marcas já conhecidas do autor. Leitura ágil e agradável, conduz o leitor a participar de um enigma literário. Surpresas, pistas importantes, humor requintado são os elementos usados pelo autor ao nós conduzir nessa grande aventura de "espionagem". "No novo livro, a assinatura de Verissimo está na narrativa em primeira pessoa, na caracterização do narrador (homem frustrado de meia idade que mantém alguma relação com a literatura), nas marcações de tempo ao longo da trama, na maneira de construção do humor irônico, na convergência de vozes, nas reflexões de metalinguagem sobre a própria história e na estrutura de paródia dos livros policiais. Assim como acontece nos outros romances, Os espiões envolve uma trama de mistério que vai sendo desenrolada em suposições de mesa de bar, descambando para teorias da conspiração e ações trapalhadas. Nesse caso, o mistério chega na forma de um envelope com o início de originais de

Joaquim Manuel de Macedo

Para compreender a produção literária de um escritor é válido indicar uma discussão acerca das influências da sua vida, sua posição social e de que maneira essa experiência foi apropriada em suas obras. Compreender a vida social do autor proporciona informações precisas para a sua trajetória literária, esclarecendo imagens e os discursos empreendidos ao longo de sua produção. Os condicionamentos sociais para a análise da produção artística do autor são importantes na compreensão de sua literatura. “Se não podemos pela origem social obter todos os dados para a compreensão completa do desenvolvimento mental de um indivíduo, podemos pelo menos levantar alguns fatores que nos esclareçam sobre sua predisposição particular para enfrentar e experimentar determinadas situações” (Machado, 2002: 55) Poucos biógrafos se debruçaram sobre a história de Joaquim Manuel de Macedo. Por isso, as informações sobre sua trajetória são diversas e muitas informações não puderam ser validadas, seja pela ausên

Guimarães

As narrativas de Guimarães Rosa são grandes inventários da alma humana. Por isso, tenho grande dificuldade e receio de realizar a leitura de suas narrativas. O confronto com um Brasil desconhecido e ao mesmo tempo tão próximo de nós, acabam deixando o leitor desnorteado com tudo aquilo que o escritor mineiro apresenta em seu universo literário. Adoro ler e aprender lendo Guimarães Rosa. Dedico o meu domingo de descanso a viajar pelo universo mítico e desconhecido da alma humana. Viver é perigoso, mas é o perigo que, às vezes, dá sentido a nossa vida.

As aventuras de Crasso

Uma forte dose de humor e erotismo está presente nesta obra de Hilda Hilst. O narrador em primeira pessoa tem 60 anos e resolve registrar suas memórias, relatando momentos diversos da sua vida. Crasso, nome do personagem é anárquico em seu relato. Esse é um dos méritos da obra. O leitor se sente traído pelas várias perspectivas de leitura que o texto apresenta. "As mais diferentes formas de prosa e mesmo da poesia intervêm no livro: correspondências, minicontos, glosas, apóstrofes ao leitor, críticas literárias, comentários eruditos". Assim, a narrativa de Crasso mobiliza a todo instante o leitor a seguir esse jogo anárquico que revela características marcantes da personalidade do personagem. Maravilhoso. *****

Nara Leão canta Roberto e Erasmo

Meu domingo começa com Nara Leão cantando canções de Roberto e Erasmo Carlos. Gravado em 1978 pela Philips, o LP traz a marca autoral de Nara. Suave e econômico, a cantora apresenta outras nuances sobre as canções desses dois nomes importantes da música brasileira. Nara foi um dos nomes mais representativos da MPB nos anos 60, sendo figura chave em vários movimentos musicais. Uma espécie de camaleoa que mostrava a percepção de que vários estilos musicais deveriam ser sentidos e valorizados. Destaco como imperdíveis as gravações de "Quero que vá tudo pro inferno"; "As curvas da estrada de santos"; "Cavalgada" e "Proposta". Produção de Roberto Menescal. ****

Beleza

Um dos momentos mais bonitos do último disco de Nana Caymmi é a gravação da canção de Sueli Costa e Paulo César Pinheiro chamada "Violão". A canção fecha o disco sem poupar o coração de ninguém. Leia: Um dia eu vi numa estrada Um arvoredo caído Não era um tronco qualquer. Era madeira de pinho E um artesão esculpia O corpo de uma mulher Depois eu vi Pela noite O artesão nos caminhos Colhendo raios de lua Fazia cordas de prata Que, se esticadas, vibravam O corpo da mulher nua E o artesão, finalmente, Nesta mulher de madeira, Botou o seu coração E lhe apertou contra o peito E deu-lhe nome bonito E assim nasceu o violão.

Clarice

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo. Clarice Lispector

Maravilhoso

O cinema de Almodóvar é sensacional. Volver é mais uma prova da versatilidade e inteligência do cineasta espanhol. Vida inteligente no cinema é outra coisa. Maravilhoso. *****

Salve Geral

O filme de Sérgio Rezende mescla ficção com realidade ao apresentar em seu novo filme os bastidores do ataque que o comando do PCC realizou na cidade de São Paulo em maio de 2006. Como entretenimento o filme é regular e leva o telespectador a acompanhar de perto a trajetória de uma professora de piano que tenta "salvar" a vida de seu filho que faz parte do comando. O final é clichê puro, mas o filme compensa. É o trabalho menos inspirado de Sérgio Rezende. **

Lori Lamby

SOBRE A OBSCENIDADE INOCENTE: O CADERNO ROSA DE LORI LAMBY, DE HILDA HILST Luciana Borges1. OPSIS - Revista do NIESC, Vol. 6, 2006 O caderno rosa de Lori Lamby é parte da chamada Trilogia Obscena2 , iniciada por Hilda Hilst, no ano de 1990. Essa trilogia teve, na época de sua publicação, a finalidade específica de oferecer ao público textos supostamente mais deglutíveis e divertidos, que, aproveitando-se da temática erótica, fossem garantia de vendagem da obra desta escritora, que sempre lamentou não ser lida e nem compreendida pelo público. Não obstante, a publicação de O caderno rosa causou um mal-estar extremo ao misturar, em uma mesma obra, os componentes pornografia e infância. Acusada de incentivar a pedofilia com a criação de sua protagonista, a autora amargou a incompreensão tanto da crítica, quanto de seu restrito grupo de leitores fiéis, os quais reprovaram a incursão pela pornografia e qualificaram como lixo estético o texto do Caderno. Acreditamos que grande parte da inquie

Som Cristalino

Este é o meu disco preferido de Maria Bethânia. Gravado em 1992, em meio a comemoração dos seus 25 anos de carreira, o disco produzido por Jaime Alem já revela algumas tendências que a cantora seguiria em sua discografia, anunciando nas canções desse disco, as temáticas do Brasileirinho; Pirata: Encanteria. Parece aquele tipo de trabalho realizado no quintal de sua casa com bastante carinho e respeito. E isso é evidente ao longo do roteiro de canções. Compositores especiais oferecem obras primas para Bethânia: Roberto Mendes, Renato Teixeira, Dominguinhos, Moacyr Luz, Djavan. E duas presenças deixam o disco mais bonito ainda. A percussão de Carlinhos Browm e o violão inimitável de Rosinha de Valença. Este seria o último trabalho de Rosinha antes de seu derrame cerebral. Não cito nenhuma canção em especial, pois vejo o disco como um todo e que deve ser ouvido com atenção e carinho. "Dourar o vale a serra, pupila, íris, pálpebra, retina, se olho água filtrasse a retina do mundo e da

Memorial de Machado de Assis

Ficção e realidade se mesclam nessa primorosa obra de Haroldo Maranhão que recria os últimos dias de vida de Machado de Assis. O trabalho de Maranhão é maravilhoso, principalmente quando estabelece relações de intertextualidade com as principais obras do autor. Em um trabalho raro de pesquisa, somos convidados a acompanhar a agonia final de Machado, que recebe momentos antes de sua morte, a visita de seus principais personagens. A seguir, uma resenha que explica de maneira mais detalhada a obra: Os últimos dias do maior escritor brasileiro de todos os tempos, Machado de Assis, são a matéria-prima deste notável romance Memorial do fim: a morte de Machado de Assis, de Haroldo Maranhão, autor fundamental para a ficção contemporânea. O escritor ambicionou honrar a narrativa machadiana e tratou o tema de uma forma obsessiva, que acabou se refletindo ao longo do capítulo "A Morte de Machado de Assis". Na obra o tempo é sentido pelo moribundo como algo fatalista, conscientizando o p

BOM DEMAIS

A Grande Família é um dos poucos programas que assisto na televisão aberta. É sinal de vida inteligente dentro da televisão. Nesse box com 6 dvds, temos mais de 45 episódios da série que é uma das maiores audiências da TV Globo. Graça e harmonia permeiam a maior parte dos episódios. Destaque para os episódios: "Amigo é para essas coisas" (Lineu descobre que seu melhor amigo é homossexual"); "O filho da mãe" (A volta da mãe de Agostinho); "O sorriso do largato" (Agostinho canta a melhor amiga da esposa); "O velhinho pocotó" (Seu Floriano resolve cair na farra); "Elas estão descontroladas" (Lineu é assediado por uma amiga no trabalho); "Grande família justiça" (Agostinho pede pensão alimentícia para Isabel). Programa maravilhoso para as férias. ******

A Chuva de Fogo

Lembro-me de que era um belo dia de sol, cheio do burburinho popular, nas ruas atulhadas de veículos. Um dia bastante quente e de perfeita transparência. Do meu terraço via-se uma grande confusão de telhados, parques esparsos, um naco de baía juncado de mastros, a linha reta e cinzenta de uma avenida..... Por volta das onze horas caíram as primeiras fagulhas. Uma aqui, outra ali, partículas de cobre semelhantes às faíscas de um pavio; partículas de cobre incandescente que batiam no chão com um barulhinho de areia. O céu continuava límpido, o ruído urbano não diminuía. Só os pássaros da minha gaiola pararam de comer. (Leopoldo Lugones) A leitura desse texto de Lugones é sensacional. Impressiona pela beleza plástica e pela apoteose apresentada acerca do fim do mundo e a cena do fogo tomando conta, destruindo tudo em sua volta. Raridade. O texto está presente na coletânea dos "melhores contos bíblicos" da Ediouro.

FEITIÇO DE BELEZA

Meu domingo começa bem. Assisto ao último show da cantora Gal Costa inspirado em seu último cd de inéditas lançado em 2005. Para quem queria uma Gal antenada com o presente e buscando coisas novas, encontra nesse show sua resposta. Como uma diva, a cantora desfila um mosaico de canções inéditas intercalando com canções do lado "b" de sua vitoriosa carreira. Pena o show e disco não terem feito o sucesso e a repercussão que deveria ter. O que temos na mídia e em outros segmentos artísticos é lixo demais para a serenidade e a beleza do canto de Gal Costa. Imperdível a interpretação de Voyeur; Te adorar; Feitiço de oração e Antonico. Nota 100. *****

POESIA

Despe-te das palavras e te aquece. Toma nas mãos esses odres de terra E como quem passeia, leva-os ao mar. Se tudo te foi dado em abundância O sal e a água de uma maré cheia Eu te darei também a temperança. Deita-te depois e vibra tua garganta Como se fosse o início de um cantar. Não cantes todavia. Aqui, zona de tato e calor, margem do ser Larga periferia, olha teu corpo de carne Tua medida de amor, o que amaste em verdade. O que foi síncope. Todavia não cantes na perplexidade. HILDA HILST

O caderno de Lori

Inicio a leitura do romance de Hilda Hilst. Antes de entrar em contato com o texto, fiz uma ampla leitura das resenhas críticas acerca de tal obra e confesso que achei as resenhas moralistas demais para o meu gosto. Convencional e de fácil digestão, a literatura e a prosa de Hilda Hilst não é de fácil digestão. Ainda bem, pois de mediocridade já estamos fatos, mas em todo o caso, o livro deve ser lido com bastante atenção para não termos dele uma visão errônea sobre suas situações narrativas. Em breve faço um comentário mais detalhado sobre essa obra de Hilda Hilst. Mas de inicio, já deixo claro minha simpatia pela narrativa e pela maneira irônica que a personagem principal conta suas aventuras "infantis".
Clarice Lispector nunca foi tão acessível, direta e repleta de humor como nessa sua obra reveladora. A crítica ficou surpresa com o teor "pornográfico" ou "obsceno" dos contos, como se isso realmente fosse o principal teor das narrativas. Ridículo pensar que uma grande parte da crítica literária nacional olhe para esse livro com tal atitude. Adorei o livro de Clarice e principalmente a exacerbação de um humor que maior parte de seus romances, geralmente estão encobertos pela densidade dos personagens e das situações limites. leitura recomendada de alto nível. ****

Sociedade e Literatura

A literatura cumpriu a tarefa de investigar e refletir sobre as transformações sociais e políticas que ocorreram no Brasil no século XIX e no início do século XX. E o papel social do romancista e do sociólogo só se diferencia a partir da institucionalização das ciências sociais no país, ocorrido somente no século XX. Dessa maneira, uma parte da produção literária brasileira, depois da independência, assumiu o compromisso de refletir sobre a nação e suas principais características. A literatura assumiu um papel fundamental na construção de uma consciência nacional. A afirmação da identidade nacional perpassava a produção literária encontrando nas diversas tendências reflexões acerca das características da nação brasileira. Seja nas poesias românticas de Gonçalves Dias e Castro Alves, no retrato idealizado presente nas obras de José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo e até na obra reflexiva de Machado de Assis, a literatura era responsável, de uma maneira ou de outra, pela formação de