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Joaquim Manuel de Macedo





Para compreender a produção literária de um escritor é válido indicar uma discussão acerca das influências da sua vida, sua posição social e de que maneira essa experiência foi apropriada em suas obras. Compreender a vida social do autor proporciona informações precisas para a sua trajetória literária, esclarecendo imagens e os discursos empreendidos ao longo de sua produção.

Os condicionamentos sociais para a análise da produção artística do autor são importantes na compreensão de sua literatura. “Se não podemos pela origem social obter todos os dados para a compreensão completa do desenvolvimento mental de um indivíduo, podemos pelo menos levantar alguns fatores que nos esclareçam sobre sua predisposição particular para enfrentar e experimentar determinadas situações” (Machado, 2002: 55)

Poucos biógrafos se debruçaram sobre a história de Joaquim Manuel de Macedo. Por isso, as informações sobre sua trajetória são diversas e muitas informações não puderam ser validadas, seja pela ausência de documentos ou por dados inconsistentes causando problemas sobre o seu estilo de vida e suas particularidades literárias.
Para a construção dessa trajetória, usaremos as fontes dos seus principais biógrafos: Galante de Sousa (1959), que apresenta um capítulo detalhado sobre a trajetória de Macedo em Machado de Assis e outros estudos, discutindo datas e organizando idéias que estavam dispersas presentes nos críticos literários do século XIX; Temístocles Linhares (1959) e seu trabalho sobre as características do romance macediano em que realiza a primeira divisão temática da obra do autor e, Tânia Serra (2004), que em Joaquim Manuel de Macedo ou os dois macedos, amplia o estudo de sua obra literária procurando responder questões deixadas em aberto pelos dois biógrafos citados, além de propor outra divisão temática da produção do autor de Nina.

Joaquim Manuel de Macedo é um dos primeiros nomes de destaque que surge no campo literário nacional. Com ampla obra literária, muitas vezes de qualidade irregular, teve uma participação de destaque na vida pública e política do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX. Nas obras produzidas ao longo de 36 anos de carreira literária é possível acompanhar o desenvolvimento social e político da sociedade do II Império.

Natural de São João de Itaboraí, pequena cidade do interior da província do Rio de Janeiro, nasceu no dia 24 de junho de 1820. Filho do juiz de órfãos, Severino de Macedo Carvalho e de Benigna Catarina da Conceição, Macedo era o filho caçula de uma família de três irmãos. Infância pobre, sempre gostou muito de escrever. Na escola, suas redações se destacavam como as melhores da sala, e ficava orgulhoso quando a professora lia seus textos e os elogiava diante da turma. Na adolescência, passa a escrever para os jornais de sua cidade. Aos 11 anos publica o poema chamado “O sete de Abril” que tem repercussão local.
O sonho do pai era ver o filho formado em Medicina. Comprometido com sua formação, conclui o curso de Medicina na Escola Médica do Rio de Janeiro em 1844, realizando o desejo do pai. No último ano do curso o jovem médico começa a escrever seu primeiro romance. Nesse período também redige o jornal Minerva Brasiliense, ao lado de Gonçalves de Magalhães e Araújo Porto Alegre.
A Moreninha é publicada em 1844 e vira sucesso de público e crítica inaugurando uma fase na história da literatura brasileira, consolidando, naquele momento, a prosa ficcional no país. A Moreninha foi um acontecimento literário. Nenhuma obra havia alcançado tanto sucesso e despertado o interesse ativo dos leitores. Isso era a demonstração de que alguma coisa diferente estava acontecendo no incipiente campo literário.
Naquele quadro, o folhetim já havia ganhado a simpatia dos leitores e era uma das seções mais lidas dos jornais. Mas a maioria das histórias eram traduções européias que não correspondiam ao modo de vida nacional, com personagens que não se identificavam com as particularidades da sociedade brasileira. Por isso, quando A Moreninha aparece, a surpresa pela ambientação da história, as características dos personagens, as brincadeiras e a linguagem empregada foi rapidamente assimilada pelo público.
A Moreninha era uma história diferente de tudo que se havia lido, “Era a sociedade da época em retrato fiel numa história de amor ingênua e simples, com defeitos de feitura, mas espontaneamente contada. Era a intriga, as vezes, um tanto artificial, mas com o entremeio de alguma comicidade e alegria de viver. Era a moral de catecismo, como se tem dito, mas exemplificada em tipos que o leitor se reconhecia e em ambiente fácil de identificar” (Sousa, 1959: 162).
O público se identificava com as personagens que elaboravam um retrato divertido da sociedade imperial. Com o sucesso de A Moreninha, Macedo recebe convites de jornais para se dedicar à literatura, afastando-se da medicina. Depois da morte do pai em 1849, abandona definitivamente a carreira médica.
Com A Moreninha, Macedo se torna conhecido no meio cultural e se destaca como figura importante do campo literário em formação. Medalhas e condecorações marcam os primeiros dez anos de sua trajetória literária, Dividindo a atividade jornalística com a literária, Macedo promoveria o gosto pela arte literária criando um cativo público e despertando em outros escritores a necessidade de participar dessa expansão literária. Os jornais do país investem na produção de folhetins e consequentemente o surgimento de novas histórias consolidam mais a prosa de ficção no país.
Os romances de Macedo sempre procuraram agradar as necessidades de fantasia dos leitores. Escrevendo aquilo que o público queria ver representado, de maneira mais simples, conquista no primeiro momento a glória literária e no segundo, o reconhecimento de sua posição dentro do campo literário que se desenvolvia no Brasil.
Em 1845 aos 25 anos torna-se sócio do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, ocupando ao longo dos anos os cargos de primeiro secretário, orador oficial e presidente interino. O IHGB se transformou num dos principais pontos de disseminação de idéias da nação brasileira. A presença do Imperador nas sessões de abertura, na entrega dos boletins dos alunos e o financiamento do governo nas atividades do instituto consolidaram o papel do centro intelectual na construção de um projeto de cultura e história brasileira.
Nesse ano, pública seu segundo romance O moço loiro, outro sucesso de público. A ampla aceitação dos primeiros romances leva Joaquim Manuel de Macedo a uma posição de destaque no cenário literário brasileiro. Em 1846 recebe o título de Cavaleiro da Ordem da Rosa, uma das principais comendas que eram oferecidas pelo governo imperial. Esse título conferia muito prestígio e visibilidade na corte brasileira e o escritor começa a ser figura freqüente nos salões imperiais.
Os dois amores é o nome do terceiro romance publicado em 1848. A obra de 500 páginas é o primeiro romance recebido com reservas pela crítica, que apontaria repetições de estilo, colocando em discussão tópicos que seriam questionados ao longo de sua produção; entretanto, tem novamente a aprovação do público.
A partir do folhetim melodramático Os dois amores, Joaquim Manuel de Macedo consolida o seu estilo literário. Ao agradar as necessidades de fantasia dos leitores, o escritor abre mão do cuidado técnico e formal em seu texto, o que valerá críticas negativas sobre sua maneira de escrever e a linguagem apresentada pelos seus personagens. Em 1848 é realizada a primeira adaptação teatral inspirado em A Moreninha.
Em 1849 participa, com Gonçalves Dias e Araújo Porto Alegre, da fundação da revista cultural Guanabara. Essa revista era um dos principais meios de divulgação artística do romantismo, tendência literária que se consolidava no país. A revista propunha em seus artigos as bases da nacionalização da nossa literatura. Nessa revista, Macedo publica em forma de folhetim, o romance Rosa, e escreve duas peças de teatro, o épico indianista Cobê e o drama O Cego.
Devido ao prestígio literário, Macedo é convidado a lecionar História e Geografia no Colégio Pedro II. Esse colégio é a primeira experiência de ensino secundário no Brasil e centro educacional de referência na sociedade nacional. Essa nomeação marca a trajetória de Macedo que seria o responsável pelas primeiras linhas da historiografia brasileira ao publicar em 1861 as Lições de História do Brasil um manual de história usado em sala de aula e que se torna obrigatório nas escolas brasileiras no período.
Em 20 anos, Macedo concilia a atividade docente com a jornalística, colaborando para diversos jornais, entre os quais, o Correio Mercantil, O Globo, Jornal do Commercio, Marmota Fluminense, Minerva Brasileira e na Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Era comum a participação ao mesmo tempo em vários jornais, dessa forma, o autor vai experimentar novas formas literárias a fim de manter sua popularidade.
Concomitante com a produção jornalística, Macedo mantinha ambições políticas chegando a ocupar cargos públicos. Em 1852 funda e se torna redator do jornal A Nação, órgão responsável pela divulgação de idéias do Partido Liberal que funciona até 1854. Depois de duas suplências em 1850 e 1853, em 1854 é eleito deputado liberal na Assembléia Provincial e entre 1864 a 1868 e 1878 e 1881, deputado geral pelo Partido Liberal.
Sua ascensão como escritor, deputado, orador do IHGB e professor do Colégio Pedro II fez com que Joaquim Manuel de Macedo desenvolvesse uma relação de amizade com D. Pedro II e com membros da família imperial. Era presença constante nos saraus literários realizados no palácio do imperador. E essa ligação próxima lhe será proveitosa, pois no final de sua carreira escreverá obras de encomenda que o identificariam como propagador da monarquia.

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