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Humor e Literatura




Jô Soares apresenta várias facetas. Em cada uma delas mostra seu talento e seu defeito. Como humorista antenado com o momento histórico podemos acompanhar sua história nos programas exibidos no canal Viva no auge do Viva o Gordo. Como entrevistador, Jô Soares está cada vez mais triste. São poucas as entrevistas boas que o intelectual consegue fazer. Ficou parado no tempo das piadinhas sem sentido e dos fatos insólitos das personalidades. Evito assistir suas entrevistas deprimentes. Como escritor, Jô Soares mostra sua melhor faceta.


Tudo que caracteriza sua inteligência está na literatura. Humor na medida certa, trabalho de pesquisa primoroso e muita elegância, Jô prende a atenção do leitor em seu novo livro que dificilmente o leitor consegue deixar de ler. O estilo é o mesmo: assassinatos, confusões, pistas falsas, tipos sociais imperdíveis. Todos os ingredientes encontrados nas outras obras literárias de Jô. O final de ano fica bem melhor quando Jô Soares se dedica a literatura. Pena que isso não ocorra também como entrevistador.


Cotação: ****

Outras Leituras:http://btudoecritica.wordpress.com

No Rio de Janeiro da década de 30, um serial killer surge à procura de um tipo específico de vítimas: mulheres gordas. Para impedir o maníaco de continuar com seus assassinatos, quatro pessoas são chamadas para trabalhar no caso: um delegado, seu fiel assistente, um português confeiteiro e uma jornalista sensual e destemida. Apesar de o número de vitimas crescer consideravelmente, não há nenhuma pista em todas as cenas dos crimes. O criminoso, por algum motivo desconhecido, não deixa uma digital sequer.

Essa é a trama de “As Esganadas”, de Jô Soares, que marca a volta do apresentador à escrita após um hiato de seis anos. É também um bem sucedido retorno à lista dos livros mais vendidos, já que a obra ocupa atualmente o primeiro lugar na categoria ficção, após uma grande divulgação com entrevistas do autor em diversos programas de televisão. O livro, o primeiro que leio do escritor, é um romance policial histórico que exigiu uma tremenda pesquisa – fato comprovado pela bibliografia registrada nas últimas páginas. Desde as ruas históricas, passando pelos cafés e até os fatos que marcaram o final daquela década, Jô debruça sobre a história brasileira e a vida carioca da época, dando ao leitor um romance bem ambientado, verossímil e gostoso de ler, principalmente por remeter à cultura daquele momento, passando pelas artes, o cinema, o teatro, a literatura e o futebol. A narrativa policial se entrelaça facilmente com os acontecimentos históricos, como a explosão da II Guerra Mundial, o governo Getúlio Vargas e a Copa do Mundo.

Ao contrário de outros romances policiais, Jô não mantém a identidade do serial killer oculta; pelo contrário, ela é revelada ao leitor desde o início. É uma boa alternativa, já que foge do óbvio ao gênero. Dessa forma, não cabe ao leitor tentar descobrir quem é o assassino – o que seria um tremendo clichê. Enquanto os investigadores tentam juntar as poucas peças disponíveis do quebra-cabeça, a diversão é a forma como eles acabam encontrando as respostas que procuram, e também a ótima narrativa, sempre bem humorada. Jô Soares escreve de forma excelente. Seus quatro personagens principais foram muito bem criados, e logo de início é fácil reconhecer e se identificar com cada tipo. Sua linguagem é culta e formal, remetendo aos próprios clássicos do gênero policial. Mas, ainda que soe como um clássico, a linguagem de “As Esganadas” não é enfadonha, bem pelo contrário; a obra é prazerosa, uma leitura que corre com fluidez e sem obstáculos. Um livro para ser lido em poucos dias, até porque o leitor ficará curioso para saber o desfecho da trama.

Talvez por não omitir o nome do assassino desde o início, o final de “As Esganadas” não guarda um clímax tão poderoso, mas, ainda assim, não deixa de ser satisfatório. É apenas rápido demais, já que acontece em apenas dez ou quinze páginas. Apesar disso, a leitura é gostosa e não traz arrependimento em momento algum, mostrando que, mesmo quando foge do clichê e entrega o ponto principal da trama, Jô Soares se sai bem como escritor e consegue fazer um ótimo livro.

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