
Com um engenhoso trabalho de foco narrativo em seu primeiro romance, Edney Silvestre consegue criar uma trama em que suspense, aventura e emoção andam juntos sem qualquer tipo de prejuízo para a trama apresentada. Dois amigos são acusados de assassinar uma mulher em uma pequena cidade do interior. A partir dessa acusação e da recusa das autoridades da cidade em buscar o verdadeiro assassino tem-se a aventura traçada. Quem seria o assassino da mulher do dentista?
Apesar do foco policial, o que predomina é a abordagem psicológica mostrando os dilemas dos dois personagens (Pedro e Eduardo) diante de valores sociais dos quais não estão preparados para entender. O final do livro surpreende pelos caminhos direcionados pelos respectivos amigos. Dessa maneira, o que menos importa é saber que foi o assassino da mulher do dentista. Estréia com Excelência.****
Brasileiros - Como surgiu a ideia de escrever Se Eu Fechar os Olhos Agora?
Edney Silvestre - Eu deveria ter uns 9, 10 anos quando ouvi pela primeira vez a história. Era uma "conversa de adultos", em que se comentava um crime ligando mãe, filha e o amante das duas. Não me recordo quando a trama me voltou à memória, mas sei que ficou na minha cabeça por mais de uma década, sem que eu soubesse como narrá-la. Fiz várias tentativas frustradas, até que, num quarto de hotel, ouvi a voz de Paulo me contando o que se recordava. "Se eu fechar os olhos agora", dizia, "ainda posso sentir o sangue dela grudado nos meus dedos. E era assim, grudava nos meus dedos como grudava nos cabelos louros dela...". Daí em diante, o romance foi se estruturando até chegar ao prelo.
Seis anos depois.
Brasileiros - Você se baseou em alguém para compor a personagem? Em algum fato real?
E.S. - Anita, a personagem principal, já surgiu morta na minha imaginação. Desde o lançamento do livro, já soube de alguns leitores e jornalistas que veem semelhanças com fatos reais, acontecidos no interior do Estado do Rio de Janeiro, assim como mulheres assassinadas em outras obras de ficção. Quem conta a história é um dos meninos, quarenta anos depois.
Brasileiros - Por que escolheu um dos meninos para ser o narrador da história?
E.S. - Porque era preciso mostrar aquele olhar inocente e esperançoso que, quando garotos, temos diante do mundo. A passagem deles ao mundo adulto, cheio de dores e decepções, é como a que muitos de nós fizemos, e outros milhões de jovens estão fazendo e, também, farão. Só por meio da dor do conhecimento se chega à idade adulta.
Brasileiros - A trama de Se eu Fechar os Olhos Agora remete ao gênero policial, mas o livro também é um romance de formação. Como você mesclou gêneros tão díspares?
E.S. - Minha intenção era criar "memórias inventadas", usando minhas próprias experiências na travessia do mundo infantil para o adulto. Queria, igualmente, mostrar um Brasil raramente referido na ficção recente, o Brasil de nossa formação histórica, do fim da escravidão e Proclamação da República ao início da industrialização e seus efeitos sobre as vidas de gente comum. Anita, a mulher assassinada, não pode ser entendida sem se compreender o que se passou - e se passa - em nosso País.
Brasileiros - Comentar a política e a sociedade de outra época é uma saída para fazer críticas indiretas aos tempos atuais?
E.S. - Para poder entender o atual momento político e social brasileiro, para compreendermos os atos corruptos de muitos políticos, as falcatruas, a violência que vitima mulheres e crianças, para penetrarmos no que é o absurdo sentido de privilégio de nossas elites precisamos compreender como nossa sociedade se formou. O romance é um dos caminhos para isso.
Brasileiros - Como você vê o momento atual da literatura brasileira?
E.S. - Temos neste momento, no mínimo, uma dezena de autores excepcionais em língua portuguesa. O número de livrarias cresce. Há cada vez mais livros de ficção e não ficção de escritores nacionais publicados anualmente. Os adolescentes leem mais do que jamais leram. Aqui e no restante do mundo. Estamos no bom caminho.
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