
Da extensa discografia de Caetano Veloso a homenagem realizada a Frederico Felline e sua esposa Giulieta é, na minha opinião, seu trabalho mais vigoroso e intenso. Conheço toda a obra de Caetano (canções, ideias, narrativas)e isso me permite afirmar a beleza e a grandiosidade desse disco. 19 faixas que realizam um passeio pelo universo musical de Caetano e as reminiscências que Felline, com suas obras primas, encantava o garoto de Santo Amaro. Do início ao fim, o disco é sensacional. Não vou citar o nome de nenhuma canção de destaque, pois vejo no roteiro do show apresentado em praça pública, a narrativa emocionada de amor que os súditos por ventura fazem de seus ídolos. ******
Abaixo um comentário de Caetano Veloso sobre seu disco
Eu estava em Nova Iorque mixando “Circuladô” quando recebi a carta de Maddalena Fellini me sugerindo, em nome da Fondazione Fellini, que eu fizesse uma apresentação em Rimini em homenagem a Federico e Giulietta. A irmã de Federico me contava que Giulietta chegara a conhecer a canção que eu escrevera sobre ela e que ficara tocada. Maddalena deplorava (quase tanto quanto eu) que o casal tivesse morrido sem que um encontro pessoal nos tivesse sido concedido pelo acaso, o destino, Deus, os deuses. Ela tinha lido minhas declarações à imprensa italiana de amor à poesia do cinema de Masina / Fellini. Amor que se destacava como algo especial dentro da minha admiração pelo cinema italiano dos anos 40, 50 e 60. O fato disso encontrar resposta no misterioso amor de alguns italianos famosos e anônimos pela minha música, levou-a a considerar a oportunidade de um tal concerto. A carta me arrebatou.
show que tínhamos preparado já me aproximava de uma atmosfera mágica e, tanto nos ensaios quanto na hora de nos apresentarmos, o grau de inspiração dos músicos me enternecia e me assombrava. Eles me pareciam beatificados.
Eu sabia que ia cantar “Giulietta Masina” e, portanto, “Cajuína” e “Lua, Lua, Lua, Lua”. Estava certo de cantar “Trilhos Urbanos” também, pois era preciso pôr tudo na perspectiva de minha meninice em Santo Amaro, onde eu vi os filmes de Fellini pela primeira vez e de onde me vem esse sentimento de recuperação metafísica do tempo perdido que é semelhante ao sentimento que percebo nesses filmes.
Eu não poderia deixar de cantar “Chega de Saudade”, que foi tão fundamental na formação da minha sensibilidade quanto “La Strada”. E que é a canção-emblema da música popular brasileira moderna. No show, nós a apresentamos de forma talvez demasiada ligeira (nos dois ou três sentidos), como que confirmando a irônica ternura com que olhamos aqueles que procuram os brasileiros em busca de alegria.
Patricia” está em “La Dolce Vita” e estava em todos os bailes do Ginásio Estadual Teodoro Sampaio, em Santo Amaro. Mesmo na letra da hilariante versão brasileira que teve grande êxito por aqui na época: a frase que termina com a palavra “malícia” tinha sílabas demais e impedia a gostosa paradinha do original de Peres Prado
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